Africanidades

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 20220513 africanidades 01

Enquanto a dor vem encostar-se à nós,
enquanto um olho chora,
o outro espia o tempo procurando a solução”.
Conceição Evaristo


A partir da leitura do livro “Os seis pequenos contos africanos”, de Raul Lody, a turma Arara manhã iniciou uma viagem cheia de histórias de encantos e dores, com vários contextos, cheiros, texturas, sabores e outras tantas camadas. Com a intenção de reparar, reconhecer e valorizar a cultura Afro-brasileira e Africana, legitimando a importância de uma educação antirracista, o projeto dos Arara está fundamentado nas leis e diretrizes, ou seja, no direito das crianças de conhecer e aprender mais sobre as questões etnico-raciais.

Nosso cotidiano passou a ser espaço/tempo de viver a roda como local de troca e sabedoria, tendo a conversa, a capoeira e o canto como forma de comunicação e resistência de um povo rico, potente, mas que até hoje, ainda luta para não seguir sendo calado e invisibilizado. Perguntamos: Mas o que são pessoas invizibilizadas, Arara?

É gente que ninguém vê.”

Que é invisível.

É quando uma pessoa não acredita que a outra pessoa existe.”

É quando ninguém olha para a pessoa.”

Que são invisíveis mesmo.

A capacidade de compreensão e interpretação das crianças é um indicativo importante e inspirador. Por isso, seguimos questionando o trato desumano recebido por pessoas negras ao longo da história e nos dias atuais e propomos experiências que seguem aproximando as crianças da diáspora africana.

O barro, entendido como fonte e origem da vida, passou a fazer parte dos nossos cantos de trabalho. Assim como a mancala, jogo inspirado na colheita e na semeadura, que tem favorecido nosso trabalho de cunho matemático. O autorretrato foi uma das técnicas utilizadas nesse processo de se perceber. Já o retrato, ou seja, ação de voltar os olhos atentamente para o outro, colaborou com a certeza da existência do outro, que também me habita, inspira e ensina.

Conhecemos os Ibejis, a partir do canal “Caçando estórias”, de Kemla Baptista e chegamos ao quiabo, que é a comida favorita deles. Resolvemos plantar, observar, criamos até um caderno de registro. Também aproveitamos para preparar e experimentar o quiabo assado com sal e azeite. Foi um sucesso!

Esses saberes colocados na roda fazem o mundo girar, em direção ao estado de bem viver coletivo. Enredos vividos de corpo inteiro pelas crianças e que alargaram as possibilidades de trocas, garantiram o gestar individual e coletivo de “relações étinico-sociais positivas, rumo à construção de uma nação mais democrática”, como consta no Art 2º das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.

A partir de conversas com o grupo e da organização com as famílias da turma, iniciamos o processo de apresentação das pesquisas sobre os povos/grupos Jejes, Bantos, Iorubá, Minas e Malês. A cada dia, no local de preferência das crianças, sentamos em roda para contar e ouvir as descobertas, um verdadeiro estado de griotagem, ou seja, uma itinerância artística, política, histórica.

As narrativas foram diversas. Revelaram as dores, mas sobretudo referências de pessoas inteligentes, articuladas, criativas, atentas e fortes. Pessoas que tinham suas crenças, cantos, instrumentos preferidos, comidas e receitas deliciosas. Compartilhamos com vocês algumas observações das crianças:

Oxum adora amarelo, brilho e espelho.”

Os malês lutaram para não apanharem mais.”

Luisa Mahin vendia comida, era chefa e mandava bilhetes para combinar as coisas.

Os Bantos eram muito bons em fazer coisas com ferro e o sal era o dinheiro deles.

Os Minas eram chamados assim porque vieram lá da Costa da Mina.”

Eles plantavam e colhiam feijão “furadinho” (fradinho) e melancia.”

Tecidos africanos têm formas e cores infinitas.”

Os Jejes adoram comer quiabo e inhame “pata de elefante.

Isso não pode acontecer mais. A gente tem que morar onde gosta e perto da família!

Eu descobri que os orixás são deuses e deusas da natureza.

Os iorubá pintam o corpo todo.

Seguimos inspiradas na “pureza da resposta das crianças” e com os olhos espiando “o tempo procurando a solução” para abalar o racismo

Carol Oliveira e Alexandra Antônio

 

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