Biografias: vivências e saberes

Moitará é tempo de troca – diversidade – cooperação – diálogo – comemoração… Enfim, de contato com o outro. Esse ritual tem origem Kamaiurá, mas se estendeu para os demais povos do Alto Xingu e para a Oga Mitá. Mas vamos por partes.

Apresentação das biografias através do meet.

Cada um dos povos xinguanos possui uma especialidade. Por exemplo, as grandes panelas de cerâmica são feitas pelos Wauja; os arcos de madeira preta são uma exclusividade dos Kamaiurá; os colares e cintos de garras de onça e de discos de caramujos são confeccionados pelos povos falantes de línguas da família Karib; e o sal de potássio é extraído e armazenado pelos AwetiMehinako e Trumai. Esses produtos e saberes são compartilhados no Moitará, que pode ser de dois tipos: entre casas da mesma aldeia ou entre aldeias distintas.

No primeiro caso, o pessoal de uma casa vai até outra levando os objetos que quer trocar. Podem ser recebidos com cuias de castanha de pequi e cauim. Os objetos trazidos e os da casa são vistos e trocados. Depois, os visitantes se retiram e aguardam a retribuição de sua visita.

O outro tipo de moitará é quando uma aldeia toma a iniciativa de partir para visitar outra. Os visitantes são recebidos com beiju e peixe. Embora os objetos sejam de propriedade individual, as transações são mediadas pelos chefes das duas aldeias e envolvem cerâmica, colares, cintos, armas, canoas, flautas, redes de dormir e de pescar, cestas, pimenta, alimentos e animais, especialmente cachorros, além de bens dos brancos. Antes das trocas, os homens lutam huka-kuka. Posteriormente, a visita é retribuída, reiniciando o processo e celebrando a vida em comunidade.[1]

Nesse sentido, nossa pedagogia tem muito a ver com essa prática, por isso tomamos emprestado seu nome. E, entre as trocas que fazemos, o projeto Biografia sempre proporciona um lindo Moitará. Primeiro acontecem as trocas na própria turma. Nesses momentos, cada estudante conta quem escolheu para biografar e o que chamou a atenção na história dessa pessoa. Os demais, então, podem contribuir com sugestões e críticas. E assim cada um/a leva a sua parte nessa troca – quem apresenta ganha experiência para falar em público, comentários que ajudam a aperfeiçoar seu trabalho; quem assiste, leva histórias de vida que contribuem para a reflexão sobre sua própria história.

Mas esse Moitará não para aí! Como no Xingu, ele se estende para outros “povos”. É quando chegam as famílias e convidados para um encontro à noite, com a apresentação final das biografias. No ano em que completa 10 anos, mesmo com as dificuldades trazidas pela pandemia, nosso Moitará biográfico foi muito especial! No dia 07 de outubro, reunidos pela tela, os(as) adolescentes da Uru-Eu-Wau-Wau (8º ano) compartilharam os perfis biográficos que produziram sobre Ana Neri, Apolônio de Carvalho, Ayrton Senna, Bertha Lutz, Cássia Eller, Cazuza, Chica Xavier, Chico Mendes, Dona Ivone Lara, Garrincha, Liberata, Machado de Assis, Marielle Franco, Nicette Bruno, Nise da Silveira, Pagu, Paulo Gustavo, Renato Russo.

E assim nossos(as) estudantes foram os mestres, e nós saímos do encontro com a certeza do que dizia Paulo Freire: aprendemos em comunhão! Moitaramos!!

Selma Monteiro (dinamizadora da biblioteca Conde Quincas)


[1] https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Kamaiur%C3%A1

(https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Xingu)

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